secretária / 20 marzo 2011

A dor

Por Maru Leonhard
Foto de Lou

Era uma vez paredes laranjas que antes eram creme. Inauguramos as paredes laranjas no dia 09 de julho de 2007, nosso primeiro dia morando juntos, minha primeira independência, quando ainda éramos nós e pensavamos que essa sala com duas paredes laranjas e duas paredes brancas eram o começo de uma nova etapa. Quando pensavamos em nosso lugar feliz. Nosso lar.

No dia 09 de julho de 2009 voltei a ter independência, desta vez para estar sozinha neste apartamento de paredes laranjas, chão de madeira e lembranças que se viam e se inalavam por pelos cantos: um lar é, entre outras coisas, uma coleção viva de lembranças. No domingo seguinte ao dia da independência peguei meu décimo terceiro e tomei uma decisão: pintar as paredes de branco e as brancas de rosa chiclete.

O que veio depois foram quinze domingos, com uma amiga também recém separada nos esforçamos em tirar o laranja e jogar o chiclete no branco. Quinze semana com a sala completamente inutilizável, lixas, o sofá coberto com uma manta, moleton salpicado, camisetas dois tamanhos maior e como acessório, panos molhados em dissolventes que nos fazia parecer cada vez menos Maru e Gi: secretamente nos referíamos uma a outra como Cacho e Roberto. Foram os quinze domingos mais divertidos que tive na minha vida.

Uma semana depois, fui informada que tinha que me mudar.

Liguei pra minha amiga, chorando e lhe contei a notícia. E depois de gritar desesperada porque nunca ia conseguir uma casa tão linda como a que eu tinha, lhe disse: “e todo esse tempo de trabalho, tudo que fizemos foi em vão, e como nos custou!” Ela ficou calada por alguns segundos. Pensei que ela estava compartilhando a minha angustia, mas ao invés disso, me respondeu “vocês está louca, se não tivessemos essa tarefa delirante, nossos domingos de recém separadas teriam sido uma tortura cheia de filmes de amor e choro desses que não conseguimos respirar direito”.

Fiquei pensando. Eu tinha trocado filmes românticos por algumas lixas e um rolo de pintar. Havia passado todo esse tempo tentando esquecer que neste lugar, haviam paredes laranjas que pintei com alguém que mutuamente nos deixamos de amar. Foi transformar nosso lar em meu lar. Uma dor: quinze semanas de calça de moleton e tinta rosa, quinze semanas me chamando “Cacho”. Quinze semanas e duas paredes rosa chiclete.